Paracuellos

Mário Latino

Com os últimos disparos da Guerra Civil a nação espanhola mergulhou numa era de trevas que duraria até a morte do general Francisco Franco.

Um dos mostrengos criados por esse regime fora a instituição conhecida como Obra Nacional de Auxilio Social, inspirada no Winter-Hilfe nazista. A Obra Nacional de Auxilio Social tinha como tarefa educar os meninos órfãos dos republicanos executados friamente pelos fascistas. Nesses “abrigos”, as crianças eram educadas no temor a Deus e ensinadas a respeitar e amar o “Caudillo”. Uma dessas crianças queria, desde então, ser desenhista de histórias em quadrinhos. Seu nome era Carlos Gimenez.

Com o tempo Gimenez foi morar com um irmão em Madri e mais tarde mudou-se para Barcelona onde começou a trabalhar no Estúdio de Joseph Toutain. Com o tempo faria uma gloriosa carreira no mundo dos quadrinhos. Mas ele nunca esquecera os dias amargos da infância deixados trás os muros daqueles “abrigos” e decidiu canalizar todo seu talento na obra autobiográfica PARACUELLOS.

Para ser honesto, não como não se emocionar ao ler PARACUELLOS. Cada um dos episódios (com duração aproximada de duas páginas) mexe com nossa sensibilidade, deixando-nos tristes e revoltados com nossa própria condição humana. Um destes episódios, “Tito” (mostrado neste espaço) narra a visita do irmão mais velho a Carlinhos. Tito, que sofre de paralisia infantil, fizera o percurso de 20 quilômetros desde Madri numa bicicleta emprestada só para levá-lhe um bolo feito pela tia e uma caneta de desenho.

Gimenez desenha, com um estilo que mistura adequadamente o traço levemente caricato a um realismo para lá de impressionante, uma cena na qual os dois irmãos ficam em silêncio enquanto, num primeiro plano, duas andorinhas voam. Há muitas possíveis leituras dela; eu escolhi o desejo de liberdade. Na cena seguinte eles falam banalidades que só servem para adiar a pergunta óbvia do protagonista: Quando vocês vão me tirar de aqui? Novamente faz-se o silêncio enquanto as andorinhas ensaiam um vôo e Tito anuncia que tem que voltar para Madri antes do anoitecer. Aí Carlos pergunta: Quando você volta? Tito responde que não sabe. “Talvez consiga uma vaga na escola de aviação...são cinco anos”. Ambos irmãos abraçam-se. A cena final é comovente.

Outros episódios narrando os maus tratos a que os garotos eram submetidos pelos seus carrascos são cruéis e há alguns que chegam a ser, dentro do contexto da história, até engraçados. São, contudo, uma denúncia de um período negro da história espanhola que as novas gerações devem conhecer. E Carlos Gimenez, ativista incansável, empunhando suas canetas e pincéis, luta para que isso aconteça.


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